“Cachoeira pede à Justiça para anular investigação
O empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, pediu à Justiça a anulação das provas obtidas pela Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, que investigou seus negócios nos últimos dois anos.
Os advogados do empresário apontam como motivo o envolvimento do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO), amigo de Cachoeira e seu interlocutor em várias conversas gravadas pela PF.
Segundo a defesa do empresário, a investigação só poderia ter sido conduzida com autorização do STF (Supremo Tribunal Federal), onde Demóstenes tem foro privilegiado como congressista (...)
O argumento de Cachoeira é semelhante ao que o próprio Demóstenes apresentou ao STF para tentar anular as investigações. Seu pedido foi negado em caráter provisório pelo ministro Ricardo Lewandowski há duas semanas (...)
‘A interceptação dos telefones de Carlos Augusto tornava inevitável o monitoramento das conversas que Demóstenes mantinha quase diariamente com ele’, diz a defesa. Segundo os advogados, o juiz, ao autorizar as escutas, ‘necessariamente sabia que estaria devassando diálogos do senador’.
O Ministério Público Federal prepara-se para evitar a anulação das provas argumentando que Demóstenes não era alvo das investigações e seu envolvimento decorreu de um ‘encontro fortuito’, ou seja, inesperado.
Os advogados de Cachoeira, porém, ressaltam que, em agosto de 2011, o juiz pediu à PF um relatório sobre o envolvimento de políticos com foro privilegiado. Para a defesa, seis meses antes, ao identificar a relação próxima de Cachoeira com o senador, ‘toda a investigação’ deveria ter sido remetida ao STF.”
Esse caso é um bom exemplo para entendermos o que os juristas chamam de fruto da árvore envenenada (ou proibida). A explicação abaixo é focada no sigilo telefônico, mas a doutrina da ‘árvore envenenada’ é válida em várias outras áreas processuais em que as provas foram obtidas ilegalmente, como provas obtidas quando o suspeito foi obrigado a produzir prova contra si mesmo ou de buscar feitas sem mandado judicial.
O sigilo telefônico (ou de qualquer outra forma de comunicação eletrônica) só pode ser quebrado por um magistrado. E o magistrado só pode determinar a quebra do sigilo em determinados casos e seguindo regras muito específicas estabelecidas pela Lei 9.296/96.
A doutrina do fruto da árvore proibida – que foi copiada de outros países (especialmente dos EUA, onde a doutrina, que nasceu em 1920, é chamada de fruit of the poisonous tree) – diz que quando uma prova é obtida ilegalmente, não é apenas aquela prova que deve ser considerada ilegal e excluída do processo: todas as outras provas que foram obtidas por causa daquela primeira prova ilegal também devem ser excluídas. Por exemplo, se através de uma escuta ilegal a polícia descobre onde o suspeito mantém uma casa de jogos ilegais, e vai lá e tira fotos e interroga testemunhas, essas provas (fotos, e testemunhos) não podem ser usadas no processo porque a polícia só ficou sabendo que havia uma casa de jogos ilegais graças ao uso da escuta telefônica ilegal. Tudo que nasceu da semente envenenada (a primeira prova ilegal) está envenenado e não deve ser usado.
Mas existem vários complicadores aqui, e é aí que os juristas brasileiros normalmente se atrapalham ao tentarem entender e aplicar a doutrina americana no Brasil.
Primeiro, há provas que são obtidas por mais de uma maneira. No exemplo acima, ao mesmo tempo que a polícia fica sabendo da casa de jogos através da escuta ilegal, ela poderia tomar conhecimento da existência da casa também através da informação de uma testemunha. Duas provas geraram a mesma informação, mas apenas uma delas era ilegal. As duas vias – sendo uma delas ilegal – levaram a uma mesma informação.
Segundo, às vezes as prova subsequentes seriam inevitavelmente obtidas no transcurso das investigações, ainda que a prova ilegal tenha sido a primeira que tenha levado àquela informação. Enquanto no caso anterior as duas vias correm paralelas e ao mesmo tempo. Nesse segundo caso, elas também ocorrem paralelas (levam ao mesmo destino), mas em tempos diferentes. A prova ilegal foi a primeira a gerar uma determinada informação, mas as outras provas que estavam sendo colhidas também gerariam aquela informação mais cedo ou mais tarde. No nosso exemplo, seria o caso de a polícia, ao mesmo tempo em que estava executando a escuta ilegal, ter requisitado ao cartório da cidade – legalmente – a relação de todos os imóveis do suspeito. A polícia ainda não tinha a relação em mãos, mas essa relação já havia sido solicitada justamente para saber onde ir. Era uma questão de tempo até a polícia chegar ao imóvel onde ele mantinha a casa de jogos.
Terceiro, quando a relação causal entre a prova ilegal e as demais provas incriminadoras é muito distante ou fraca ou foi quebrada. Tão distante, fraca ou fragmentada que não dá para dizer que uma levou à outra. Não dá para dizer que ambas vieram ‘da mesma árvore envenenada’.
E quarto – que é relevante para a matéria acima – quando a autoridade pública agiu com boa fé (bona fide). A doutrina dos frutos da árvore envenenada serve para impedir as autoridades públicas de agirem arbitrariamentei. Mas se elas agiam com boa fé e, sem querer, cruzaram a linha da legalidade sem notar (e, se perceberam, tão logo perceberam o erro, tentaram remedia-lo e voltar para dentro da legalidade), a Justiça pode aceitar as provas colhidas graças à ilegalidade involuntária. A Justiça analisará se a autoridade pública quis, assumiu o risco, foi negligente ou imprudente no momento em que colhia as provas. Se ficar convencida que ela agia com boa fé e cometeu o erro sem querer, apesar das melhores intenções, a prova será aceita.
No caso da matéria acima, uma das pessoas com quem o investigado conversava era um senador. Senadores têm fórum privilegiado e só o STF pode autorizar o processo contra ele. Mas ele não era o alvo da investigação. A polícia não tem como saber para quem o suspeito irá telefonar. O problema é que as conversas entre o suspeito e o senador ocorriam com tamanha frequência (o que facilita provar o vínculo entre eles), que – segundo a defesa – isso deveria ter sido levado ao conhecimento do STF porque havia elementos suficientes para indicarem que o senador se tornaria também réu do processo. Ou seja, o senador não era o foco principal no início das investigações mas, no seu decorrer, ele acabou se tornando um dos suspeitos.
A questão para o STF é determinar a partir de que momento a polícia tem obrigação de levar o processo para ele. Não pode ser no início porque, caso contrário, o STF seria o único a autorizar escutas telefônicas no Brasil (já que qualquer pessoa pode ligar para um senador), mas ninguém sabe ao certo quando nasce a obrigação e quais são os critérios para determina-la.